Por Ana Beatriz Martins de Almeida Nogueira
Advogada Militante há 30 anos na área criminal, família cívil. Também atua como Conselheira efetiva da OAB Barra – RJ; Delegda da OAB -Barra – RJ; Presidente da Comissão da OAB Mulher Barra – RJ; Membro da Comissão de Direitos do Trabalho da OAB Barra – RJ; Membro da Comissão de Defesa do consumidor da OAB Barra – RJ; Membro da Comissão OAB Mulher RJ.
Nota de Repúdio contra a decisão que relaxou a prisão do indiciado, que ejaculou no pescoço da estudante de 23 anos no Transporte Público em São Paulo
É grande a indignação da população, emsaberque o indiciado está solto nas ruas.Essa não é a primeira vez que o mesmo comete este tipo de assédio, pois ao descrever os fatos em sua decisão na audiência de custódia,o juiz em sua fundamentação cita que na folha de antecedentes, tem histórico deste tipo de “comportamento”, isto que dizer que o indiciado não é primário e sim reincidente em outros casos, isto quer dizer queassedia mulheres em Transporte Público, sem nunca ter sido punido.
Violência contra a Mulher no Transporte Público
São tantos os tipos de violências praticados contra as mulheres, e um deles é a violência contra a mulher no transporte público, ainda uma das violências muito pouco debatidas e pouco denunciadas pelas mulheres. E é claro que um dos fatos da falta da denúncia por essas vítimas, com certeza é o medo, a falta de segurança e constrangimento de se expor e sofrer mais uma violência, com perguntas indiscretas, piadinhas e outros motivos que fazem com que muitas mulheres deixem de denunciar seus ofensores. E quem perde com a falta de denúncia? Somos nós mulheres e a sociedade de modo geral, pois se não houver a denunciação, este assédio não será contabilizado para as estatísticas, pois muitas vezes são as estatísticas que sinalizam e chamam a atenção para o problema do Poder Público.
No dia 29/08/2017, uma vítima não ficou calada e mesmo diante do susto, medo, desespero, angustia, vergonha, além de ter ficado em estado de choque, teve forças para gritar e chamar a atenção de outros passageiros que não agrediram o indiciado, pela atuação rápida do motorista e trocador, segundo relatos da reportagem, o indiciado foi mantido no ônibus ate a chegada da Polícia Militar que o conduziu para 78ª Distrito Polícial, no bairro Jardins, na Capital de São Paulo. Na delegacia o indiciado foi atuado na tipificação do artigo 213 do Código Penal, no crime de estupro, sendo preso em flagrante.
Sucede que no parecer do Ministério Público na audiência de custódia, o mesmo opinou pelo relaxamento da prisão, e a delegada que conduziu o caso, em seu relatório, pediu a decretação da prisão preventiva, mas a decisão do juiz deixou clara como o machismo, ainda, hoje, impera no Poder Judiciário, além de fica clara a total cegueira de gênero do Poder Judiciário, principalmente quando o juiz em sua decisão cita que: “a vítima estava sentada no banco do ônibus”, sendo assim em seu sentir o juiz profere a seguinte decisão: “não houve constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça”, desconsiderando o crime de estupro para a contravenção penal. Verbis:
“a conduta pela qual o indiciado foi preso melhor se amolda à contravenção penal do art. 61 LCP do que ao crime de estupro (art. 213, CP). Explico. O crime de estupro tem como núcleo típico constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele pratique outro ato libidinoso.”
Isso, no entender do juiz NÃO houve constrangimento, nem violência e sequer ato libidinoso.Mas ejacular em cima de uma mulher não seria um ato libidinoso? Afinal de contas, este indiciado ejaculou quando chegou ao gozo.
Qual ser humano, vivendo em sociedade quer receber uma ejaculação de um estranho no interior de um coletivo?
Ou o ato de ejacular não se caracteriza um ato libidinoso? O simples ato de ejacular no pescoço da jovem não foi um toque?
Entretanto, analisando a decisão, percebe-se que apesar de latente cegueira de gênero, o juiz em seu argumento, o MM Juiz, relaxou a prisão do indiciado e desclassificou o crime de estupro para classificá-lo como contravenção penal,justificandono sentido de que: “o ato praticado pelo indiciado e bastante grave, já que se masturbou e ejaculou em um ônibus cheio, em cima de uma passageira, que ficou, logicamente, bastante nervosa e traumatizada”.Apesar do ato praticado ser “bastante grave”, relaxou a prisão deixando o indiciado soltou,vindo o mesmo a pouco mais de tês dias praticar nova violência contra as mulheres para continuar com sua “conduta” contravertida, tendo em vista que a contravenção penal, não é crime.No caso em tela, o individuo continuou sem punição, e prosseguindo ejaculando em outras mulheres nos Transportes Públicos.
Bem, com essa decisão podemos interpretar que os homens, agora podem sair por ai “ejaculando nas mulheres” nos transportes público, sem que isso seja classificado como crime, pois este “ato de ejacular”, segundo o Juiz sentenciante, não constrange e não é considerado ato libidinoso, visto que os mesmos estarãocometendo uma contravenção penal.Este é o entendimento do Juiz do Estado de São Paulo em Barra Funda, que demonstra total cegueiraquanto a temática de gênero, além de desconhecer ou não querer aplicar as Convenções e os Tratados ratificados pelo Brasil, os quais tem o mesmo valor legal que a Constituição Pátria.
Se não houvesse a cegueira de gênero no Poder Judiciário, tendo em vista a lei ser interpretativa, deveria por bem, ter o juiz aplicado uns dos artigos das “Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW” e a “Convenção Americana sobre Direitos Humanos – San José da Costa Rica”, já que pelo clamor público que hoje manifestado por todo o Brasil em relação a violência contra a mulher.
A preocupação que fica diante desta decisão, e que todas as campanhas existentes contra toda a forma de violência contra a mulher, faz com que a sensação de impunidade aumente e que as mulheres se sintam cada dia mais vulnerável e insegura com a falta da proteção do Estado.
Ao Estado cabe dar segurança as mulheres, fazendo com que as mesmas sintam-se seguras para ir e vir, sem sofrer as violências nos transportes públicos, além de fomentar campanhas para coibir e reduzir a violência contra as mulheres, mas está decisão só deixa claro o quanto o Estado-Juiz esta ausente em relação a garantir a proteção a mulher, e demonstra o quanto é machistae desestimulador. O quecontribui, com a violência contra as mulheres, fazendo com que elasdeixem de denunciar os crimes sofridos.
E a falta do conhecimento da violência de gênero da justiça para coibir e prevenir, toda e qualquer forma de violência contra a mulher, acaba por estimular e prolongar mais e mais as violências sofridas pelas mulheres, e no caso em tela a decisão faz com que a violência no transporte público aumente.
No Estado do Rio de Janeiro,com o índice alarmante deste tipo de violência, foi edita e promulgada Lei nº 4.733, de 23 de Março de 2006, que reserva o vagão feminino, para evitar que as mulheres continuem sofrendo assedio sexual na hora de pico entre as 06 e 09 da manhã e das 17 as 20hs, evitando assim o aumento do assedio sexual.
Desta forma, precisa-se que seja dado exemplos, para coibir e prevenir a violência contra a mulher em todas as suas formas, pois quando há a punição de forma pedagógica, outros iram pensar antes de praticar ou não tal violência, mas sem a devida punição, fica uma grande lacuna que somente contribui para o aumento desses assédios sexuais, sofridos pelas mulheres nos transportes públicos.
E após, ser liberado o indiciado ataca novamente. Infelizmente a decisão do juiz não levou em consideração a folha corrida do indiciado, apesar de ter dito conhecimento prévio, mas como “sempre” manteve-se“inerte” em relação a fatos tão importantes.O que evitaria novo ataque do autor do fato, mas como sempre age ”pelo bem estar do indiciado” resolveu solta-lo.
Poderia o juiz ter levado em consideração a Folha corrida do indiciado, aqui uma mostra da reinscidência do “indiciado”.
Em 12. Dez. 2009 – Local do fato: em ônibus na praça Miguel Dellérba, Lapa – SP; Vítima: mulher de 22 anos; Tipificação do crime: ato obsceno; Fatos: suspeito desceu a calça e mostrou o pênis para a vítima.
Em 30. Nov. 2011 – Local do fato: em ônibus na rua Amador Bueno, Santo Amaro – SP. Vítima: mulher de 27 anos; Tipificação do crime: ato obsceno; Fatos: sem informações no termo circunstanciado;
Em 06. Abr. 2011 – Local do fato escada rolante estação do metrô – Anhangabaú – SP.; Vítima: gerente de 33 anos; Tipificação do crime: ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor; Fatos: sem informações no termo circunstanciado;
Em 11. Fev. 2011 – Local do fato: rua Floriano Peixoto, Sé – SP.; Vítima: estudante de 22 anos; Tipificação do crime: ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor; Fatos: não consta no termo circunstanciado;
Em 01. Ago. 2012 – Local do fato: em transporte público na Avenida YervantKissajikian, Americanópolis – SP.; Vítima: assistente administrativa de 23 anos; Tipificação do crime: importunação ofensiva ao pudor; Fatos: não consta no termo circunstanciado;
Em 17. Out. 2012 – Local do fato: em ônibus na rua Padre José Maria – Santo Amaro – SP.; Vítima: mulher 27 anos; Tipificação do crime: ato obsceno; Fatos: suspeito retirou o pênis de dentro da calça e mostrou para a vítima;
Em 02. Fev. 2013 – Local do fato: em ônibus na Avenida Washington Luiz, 2455 – SP.; Vítima: operadora de 47 anos; Tipificação do crime: estupro tentado; Fatos: suspeito esfregou o pênis no braço da vítima;
Em 13. Set. 2013 – Local do fato: em ônibus na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, esquina com a rua Pampola – SP.; Vítima: universitária de 19 anos; Tipificação do crime: violação sexual mediante fraude; Fatos: colocou a mão sob o vestido da vítima;
Em 25. Nov. 2014 – Local do fato: em ônibus na rua Domênico de Palma, Cidade Ademar – SP.; Vítima: vendedora de 21 anos; Tipificação do crime: ato obsceno e importunação ao pudor; Fatos: suspeito passou a mão no cabelo da vítima, tentou passar a mão nos seios dela e ejaculou no ombro da vítima;
Em 31. Out. 2016 – Local do fato: em ônibus na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, 4,677 – SP.; Vítima: não localizada; Tipificação do crime: ato obsceno; Fatos: suspeito esfregou o pênis em uma passageira;
Em 21. Nov. 2016 – Local do fato: em vagão na estação do metrô Capão Redondo, na linha 5-lilás – SP.; Vítima: adolescente de 17 anos; Tipificação do crime: importunação ofensiva ao pudor; Fatos: suspeito esfregou o pênis na vítima;
Em 28. Nov. 2016 – Local do fato: dentro de um ônibus na Avenida Paulista, 570 – SP.; Vítima: não identificada; Tipificação do crime: ato obsceno; Fatos: Indiciado começou a se masturbar próximo de uma mulher;
Em 19. Fev. 2017 – Local do fato: em coletivo na Avenida Paulista, 2073 – SP; Vítima: auxiliar operacional de 22 anos; Tipificação do crime: estupro tentado; Fatos: suspeito esfregou o pênis na mão da vítima;
Em 02. Mar. 2017 – Local de fato: em ônibus na Avenida Paulista – SP.; Vítima: contadora de 24 anos; Tipificação do crime: importunação ofensiva ao pudor; Fatos: o suspeito abriu o zíper e colocou o pênis para fora e esfregou no braço da vítima;
Em 1. Mai. 2017 – Local do fato: ônibus na Alameda Santos com a rua Augusta – SP.; Vítima: mulher 23 anos; Tipificação do crime: importunação ofensiva ao pudor e ato obsceno; Fatos: suspeito tirou o pênis para fora da calça e esfregou na mão da vítima;
Em 12. Jun. 2017 – Local do fato: ônibus na Avenida Paulista, 1394 – SP.; Vítima: estagiária de 20 anos; Tipificação do crime: ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor; Fatos: o suspeito colocou o pênis para fora da calça e encostou no ombro da vítima;
Em 29. Ago. 2017 – Local do fato: ônibus na Avenida Paulista, 800 – SP.; Vítima: estagiária de 23 anos; Tipificação do crime: ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor; Fatos: a vítima estava sentada quando o indiciado se masturbou e ejaculou no pescoço dela.
Que o combate contra a violência das mulheres, tem que partir de iniciativas vindas do Poder Público, em suas três esferas Poder o Judiciário, Legislativo e Executivo.Até porque, este tipo de decisão somente contribui para o aumento e a sensação de impunidade em que vive as mulheres no dia a dia, pois ao tentar combater a violência que as mulheres sofrem todos os dias ao ir trabalhar, estudar, passear, acaba tirando dessas mulheres a liberdade de ir e vir, sem serem assedias sexualmente.
No caso em tela, o crime de estupro ficou claro, tendo em vista que não precisa ter o contato físico entre a vítima e o ofensor, pois não é uma condição para consumação do crime, sim ter dito o ato libidinoso, o que ocorreu no fato.Conforme dispõe a segunda parte do art. 213 do CP, a redação legal fala em “praticar” ou“permitir”, a vítima, que com ela pratica-se ato libidinoso diverso da conjunção carnal, isto quer dizer que ao ejacular em cima da vítima o ofensor praticou ato libidinoso e constrangeu a vítima, com a satisfação da sua lascívia, pois ele agiu para satisfazer seu desejo sexual, cometendo, assim, o crime de estupro, tendo em vista a alteração do CP dada pela Lei 12.015/2009.
Ao desclassificar o crime de estupro para a contravenção penal, deixa o Estado-Juiz de proteger a mulher, e colabora com a sensação de impunidade para com os ofensores que tem hábitos de ser satisfazer sexualmente praticando estas “contravenções”, pois apenas iram pagar com cestas básicas ou prestações de serviços, sem, contudo terem em suas fichas criminais os crimes recorrentes que vem sendo cometidos, além de serem agraciados, com as benesses garantida pela interpretação das leis pelo Juiz, interpretação essas que apenas beneficia o indiciado, e que acaba por criminalizar a vítima, mais uma vez, pois a sensação que fica para as vítimas e que ela estava em local onde não deveria estar, e por isso foi a culpada e não vítima da violência e do assédio que sofreu no Transporte Público.
E fica a sensação da impunidade. E devemos deixar um recado para as mulheres, quando for utilizar transporte público fiquei atenta, pois poderá receber uma ejaculada, que é considerada apenas uma contravenção penal, e assim, teremos que nos conformar com essa situação?
Pois sair ejaculando nas mulheres por ai, é uma simples contravenção penal, nada além de contravenção. E a vítima, será que vai precisar de ajuda psicológica?
Referências:
GROSSI, Patrícia K. (organizadora), Violências e Gênero – Coisas que a gente não gostaria de saber, Segunda Ed. Atualizada e Ampliada, Ed. PECRS, 2012.
Disponível em: <http://folha.com/no1915287.> Acesso em: 02. Set. 2017.
Disponível em: <https://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/88243/lei-4733-06>, Acesso em: 02. Set. 2017.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/09/1915287-suspeito-de-estupro-e-preso-novamente-apos-atacar-outra-mulher.shtml>. Acesso em: 02. Set. 2017.
Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 01. Set. 2017.
Disponível em: <https://leonardocastro2.jusbrasil.com.br/artigos/121943503/legislacao-comentada-artigo-213-do-cp-estupro>. Acesso em 31 agos. 2017.
Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/mulher-sofre-assedio-sexual-dentro-de-onibus-na-avenida-paulista.ghtml>. Acesso em 31 agos. 2017.